Abordagem IndiferenteEnquanto algumas agência não se cansam de utilizar estereótipos para representar personagens gays para não desagradar os mais conservadores outras agências preferem não fazer nenhuma afirmação enfática, permitindo que o telespectador tire suas próprias conclusões a partir de sua "formação ideológica", como diria Pêcheux quando retoma uma fala de Saussure que diz que "o ponto de vista cria o objeto".
Em um comercial da loja de moda jovem estadunidense Abercrombie & Fitch para o seu modelo de calça jeans de cintura baixa (
low raise) a câmera observa detalhes do corpo definido de um jovemque em um primeiro momento aparece só de cueca - e é nela que a assinatura da marca fica mais evidente. E em um segundo momento ele aparece vestindo a calça anunciada e a única parte do seu rosto que aparece são os lábios sorrindo.
8Embora essa peça publicitária possa passar despercebida como um típico anúncio da marca com seus invejáveis/desejáveis
hunks (homem sexualmente atraente de musculatura desenvolvida), porém é necessário fazer uma análise de alguns elementos da peça para mostrar que essa não é a única leitura possível. A analista Tânia Souza diz que "quando se recorta pelo olhoar um dos elementos constitutivos de uma imagem produz-se outra imagem, outro texto, sucessivamente e de forma plenamente infinita" e afirma que "o trabalho de interpretação da imagem como na interpretação do verbal, vai pressupor também a relação com a cultura, o social, o histórico, com a formação social dos sujeitos".
9Quando a analista aponta que "do ponto de vista ideológico, a interpretação da forma material da imagem pode se dar (...) a partir do simbólico, da iconicidade" alguns elementos visuais do anúncio, que a autora entende por "operadores discursivos" podem ser analisados como indicadores de outra possível "leitura" do comercial.
Tomemos então como operadores discursivos o plano em que a câmera parece se esconder atrás de uma porta envidraçada que divide o cômo onde está o
hunk de outro e o sorriso malicioso que o mesmo oferece a câmera.
Por todo o comercial, pela escolha do ângulo da câmera e enquadramento do modelo, que em nenhum momento tem o seu rosto focado fica claro que o interesse da câmera (
voyer) é o corpo do modelo. Como exemplo disso podem ser mencionados os diversos planos detalhe da cueca; o não enquadramento do rosto e os moviemtnos da câmera que parecem deslizar sobre o torso do rapaz. Tudo isso poderia ser encarado como clichê de anúncios de uma uma marca que quer apelar para a "inveja social"
10 dos jovens que gostariam de ter um corpo com status de
hunk.
No entanto a câmera se posiciona como um
voyer quando opta por um ângulo subjetivo de quem se agacha e se esconde atrás de uma porta. Um dos símbolos do imaginário voyerista e que provavelmente faz parte, também, da vida do outro segmento jovem que a marca não ousa se associar diretamente, os jovens gays que, como qualquer outro durante a descoberta de suas sexualidades, admiram, furtivamente, um corpo que não lhe é oferecido.
E se ainda há dúvidas sobre esta interpretação, ela é uma das causas do caráter
polifônico da imagem "que pressupõe que todo enunciado traz em sua constituição uma pluralidade de vozes"
11 e possiblidades interpretativas. Mas "ao se defenir
policromia como rede associativa de elementos visuais, implícitos ou silenciados, verifica-se que são esses os elementos que possibilitarão as diferentes interpretações do texto não-verbal"
12. Elementos como o caminhar da câmera para trás da porta e o sorriso malicioso focado pela câmera que poderia ser interpretado, por um
voyer, como um sorriso de consentimento exibicionista.
A anunciante A&F tomou, então, uma interessante decisão ao produzir essa peça por flertar com o público gay sem provocar secção com o seu público hétero. Difícil dizer que esse flerte com o homoerotismo não foi proposital quando este está presente em várias outras campanhas da marca como o vídeo institucional dirigido pelo conhecido fotógrafo de moda, homoerótico, Bruce Weber
13 onde vários outros operadores discursivos apontam para a polifonia da imagem e do texto narrado em depoimento por jovens atletas que não parecem vestir as roupas da marca, visto que esta não vende trajes esportivos.
A&F é um exemplo de anunciantes que preferem não posicionar a comunicação com os seus consumidores ao não deixar claro sua posição quanto ao assunto da orientação sexual; e ao tomar a ambiguidade dê conta do recado.
9, 11, 12 SOUZA, Tânia Conceição Clemente de Souza. A análise do não verbal e os usos da imagem nos meios de comunicação. In Revista do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade da
Unicamp.
10 VESTEGAARD, Torben, SCHRØDER, Kim. A Linguagem da Publicidade.